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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Gabriel Garcia Marquez em...






Doze Contos Peregrinos


 3º conto


O avião da bela adormecida



Era bela, flexível, com uma pele macia da cor do pão e os olhos como amêndoas verdes, e tinha o cabelo liso e negro e comprido caindo pelos ombros, e uma aura de antiguidade que tanto podia ter origem na Indonésia como nos Andes. Vestia-se com um gosto subtil: casaco de lince, blusa de seda natural com flores esbatidíssimas, calças de linho cru, e uns sapatos lineares da cor das buganvílias. «É a mulher mais bela que vi na minha vida» , pensei, quando a vi passar com os seus secretos passos largos de leoa, enquanto eu me achava na bicha de embarque do avião para Nova Iorque no aeroporto Charles de Gaulle de Paris. Foi uma aparição sobrenatural que existiu só por um instante e desapareceu no meio da multidão do átrio.
Eram nove horas da manhã. Nevava desde a noite anterior, e o trânsito era mais denso do que de costume nas ruas da cidade, e mais lento ainda na autoestrada, e viam-se camionetas de carga alinhadas na berma, e automóveis fumegantes por entre a neve. No átrio do aeroporto, em contrapartida, a vida continuava primaveril.


Eu estava na bicha de registo das bagagens atrás de uma velha holandesa que demorou quase uma hora a discutir o peso das suas onze maletas. Começava a aborrecer-me quando vi a aparição instantânea que me deixou sem fôlego, pelo que não soube como terminou a disputa, até ao momento em que a empregada me fez cair das nuvens repreendendo-me pela minha distracção. à laia de desculpas perguntei-lhe se acreditava nos amores à primeira vista. »Claro que sim» , disse-me ela. «Os outros é que são impossíveis.» Continuou com os olhos postos no ecrã do computador, e perguntou-me que lugar preferia: fumador ou não fumador.
- Tanto me faz - disse-lhe eu intencionalmente -, contando que não seja ao lado da senhora das onze malas.
Ela agradeceu-me com um sorriso comercial sem desviar a vista da ecrã fosforescente.
- Escolha um número - disse ela: - três, quatro ou sete.
- Quatro.
O seu sorriso teve um fulgor de triunfo.
- Estou aqui há quinze anos - disse ela -, e você é a primeira pessoa que não escolhe o sete.
Marcou no cartão de embarque o número do lugar e entregou-mo com o resto dos meus papéis, olhando-me pela primeira vez com uns olhos cor de uva que me serviram de consolação enquanto não tornava a ver a bela de havia instantes. Só então a empregada me avisou de que o aeroporto acabava de encerrar e que todos os voos tinham sido adiados.
- Até quando?
- Até quando Deus quiser - disse ela com o seu sorriso. - A rádio anunciou esta manhã que vamos ter o maior nevão do ano.
Enganava-me: foi o maior do século. Mas na sala de espera da primeira classe a Primavera era tão real que havia rosas frescas nas floreiras e até a música enlatada parecia tão sublime e repousante como os seus criadores pretendiam. De súbito lembrei-me de que aquele seria talvez um lugar de refúgio adequado para a bela, e procurei-a nos outros salões, estremecendo com a minha própria audácia.
Mas a maior parte dos presentes eram homens da vida real que liam jornais de língua inglesa enquanto as suas mulheres pensavam noutros homens, contemplando os aviões mortos na neve através das vidraças panorâmicas...
(quer ler mais? porque não comprar o livro?)